TED Talk: Técnicas de interrogatório
- blogpsicologiacdll
- 11 de mar. de 2024
- 9 min de leitura
Olá caros viajantes! Hoje voltamos a Tóquio para explorar mais um tema: técnicas de interrogatório.
Quantos de vocês é que já viram uma série ou um filme, no qual aparecia uma cena de interrogatório de um suspeito? Será que é assim na vida real?
Na realidade, aquilo que vemos na televisão é sempre exagerado mas tem um fundo de verdade.
Assim, convidamos todos os nossos passageiros a conhecer mais sobre este assunto através deste post!
Ao longo deste post, os aspetos seguintes serão abordados:
Interrogatório
Um interrogatório, no contexto policial, consiste num processo no qual são colocadas várias perguntas a um indivíduo de modo a obter informação. A sua duração é variável, podendo durar desde uma hora até mesmo alguns dias, dependendo dos resultados obtidos.
Na atualidade, existem diversas técnicas de interrogatório com objetivos distintos, sendo a sua aplicação dependente do país em que o interrogatório ocorre, visto que em alguns países alguns aspetos são permitidos e em outros, não. Por exemplo, nos EUA é possível mentir ao indivíduo que está a ser interrogado, algo que não acontece na maior parte da Europa.
De entre as várias técnicas existentes, selecionámos a técnica de Reid, o modelo PEACE e a entrevista cognitiva para explorar de forma mais aprofundada.

Técnica de Reid
Esta técnica foi criada por volta de 1950 por John Reid, um polícia oriundo de Chicago especialista em polígrafos, tendo-se tornado popular na década de 70,sobretudo nos EUA, quando começou a ser ensinada aos agentes da polícia.
O objetivo desta técnica é obter uma confissão, algo que vai condicionar o modo como o interrogatório é conduzido. Reid faz a distinção entre interview (entrevista) e interrogatório. O interrogatório é realizado com indivíduos que são suspeitos de serem culpados de um crime, de forma direta ou indireta. Já a entrevista é aplicada a pessoas relacionadas com o crime, mas que não são suspeitas, como por exemplo uma testemunha do crime ou um familiar de uma vítima.
Deste modo, este método é constituído por três fases : Análise dos factos, entrevista, que envolve a análise comportamental e, por fim, o interrogatório.
Análise dos factos: O detetive analisa toda a informação que resultou da investigação do crime, estudando a cena do crime, o contexto em que ocorreu, os indivíduos envolvidos, entre outros. Assim, o investigador deve ser capaz de averiguar os detalhes mais importantes para a investigação, compilando uma lista de potenciais suspeitos e percebendo que questões são relevantes devem ser colocadas num cenário de interrogatório ou de entrevista.

Entrevista: Sessão de caráter não acusatório onde são colocadas questões acerca do sucedido. Nesta fase, devem ser questionados indivíduos que podem estar relacionados com o crime, sendo que o entrevistador deve averiguar a potencial culpa dos mesmos pela análise comportamental. Em primeiro lugar, o detetive deve colocar questões neutras ao entrevistado, relacionadas com a vida do mesmo, por exemplo, de modo a observar o modo como se expressa verbalmente e não verbalmente (linguagem corporal) e, desta forma, estabelecer parâmetros para o comportamento e linguagem normais do indivíduo. Em segundo lugar, quem conduz a entrevista, deve colocar questões provocatórias, com o objetivo de verificar se ocorrem alterações no modo de estar do entrevistado. Segundo Reid, se o sujeito for inocente, não apresentará qualquer alteração comportamental, mas, se for culpado, irá evidenciar mudanças na sua forma de estar e de falar, nomeadamente: postura mais fechada, discurso rápido com tendência para erros na fala, sinais de nervosismo, como abanar a perna, mexer no cabelo, entre outros. Efetivamente, estes aspetos eram associados à culpa e , se um indivíduo os exibisse nesta fase da técnica, seria considerado um suspeito e passaria à fase de interrogatório.
Interrogatório: Constituído por 9 passos:
The positive confrontation: O detetive confronta o suspeito, afirmando ter provas concretas que confirmam a sua culpa, ainda que isso não seja verdade.
Theme development: O investigador deve apresentar uma hipótese para aquilo que aconteceu. Deste modo, o detetive especula, em forma de monólogo e recorrendo a um tom compreensivo, sobre aquilo que aconteceu, apresentando um theme, ou seja, apresentando uma justificação moral para aquilo que aconteceu (esta justificação será o tema a desenvolver), colocando a culpa noutra pessoa ou em circunstâncias externas, por exemplo.
Handling denials: Perante as tentativas de negação de culpa, o detetive deve interromper o suspeito, idealmente, não o deixando reforçar a ideia de que é inocente.
Overcoming objections: Quando as tentativas de negação não surtem efeito, um suspeito culpado recorre a argumentos e razões para provar a sua inocência (ex. eu amo a minha mulher, eu nunca faria isso). O investigador deve aceitar estes argumentos e utilizá-los para continuar a desenvolver o tema introduzido no passo 2.
Procurement and retention of suspect's attention: O suspeito, apercebendo-se de que a sua estratégia não está a resultar, fica silencioso, distancia-se da situação, deixando de participar ativamente, resultado da frustração. O investigador deve atuar rapidamente de modo a reter a atenção do suspeito, de modo a fechar o “espaço” emocional e físico. Na verdade, o objetivo deste passo é maioritariamente não permitir que o suspeito reflita acerca das consequências legais do crime, algo que facilita uma confissão.
Handling the suspect's passive mood: Continuação do passo cinco. Perante uma atitude passiva, derrotada e frustrada, o polícia deve continuar a falar e a chamar a atenção para o tema, a justificação moral que apresenta para o crime, expressando simpatia e compreensão, enfatizando a necessidade de o suspeito dizer a verdade (pode recorrer ao conceito de honra, ao bem-estar da família da vitima…).
Presenting an alternative question:São apresentadas duas hipóteses diferentes, uma mais aceitável ao nível moral e outra menos. Ambas as hipóteses são incriminatórias. Não deveria acontecer mas muitas vezes, na utilização desta técnica, ocorre o encorajamento da escolha da hipótese mais justificável por parte do polícia.
Having the suspect orally relate various details of the offense: Após a admissão de culpa por escolha da melhor hipótese (geralmente), quem conduz o interrogatório deve reforçar a culpa do suspeito, fazendo perguntas de resposta aberta e encorajando o suspeito a relatar detalhes do crime que supostamente cometeu, o que implicaria a culpa legal.
Converting an oral confession to a written confession: Em seguida, o detetive deve obter uma confissão por escrito para ser usada posteriormente em tribunal, podendo também optar por uma gravação do interrogatório e da admissão de culpa. Este passo deve ser feito o mais rápido possível , para evitar que o suspeito mude o seu testemunho.
Críticas
O facto de, na segunda fase da técnica (entrevista), Reid considerar que comportamentos associados à ansiedade são indícios de culpa é controverso, visto que, num ambiente intimidante como o que é criado pelo entrevistador, é normal que os indivíduos apresentam sinais de apreensão e ansiedade, mesmo que não sejam culpados. Adicionalmente, estudos revelam que os seres humanos não têm uma grande capacidade para distinguir a mentira da verdade, pelo menos, não mais do que ao acaso
Além disso, a utilização e desenvolvimento de um tema (justificação moral) para aquilo que aconteceu, bem como a insistência do detetive numa narrativa do crime , podem levar à distorção de memórias, algo propício a falsas confissões. Aliás, esta técnica apresenta um maior número de falsas confissões quando comparado com outras técnicas.
Um exemplo de uma falsa confissão é o caso de Darrel Parker (recomendamos a visualização do vídeo a partir de 07:16)
Modelo PEACE
Este modelo foi criado em 1992, na sequência de estudos que revelaram resultados pouco satisfatórios em termos de interrogatórios devido às técnicas utilizadas.
Desta forma, esta técnica visa a obtenção de informação relevante para o caso (principal objetivo), permitindo ao suspeito que o mesmo/a exponha a sua versão dos acontecimentos e ,somente depois, ocorre um diálogo sobre possíveis incongruências entre o testemunho dado e a informação obtida.

Este modelo é constituído por 5 fases/etapas (acrónimo PEACE):
Preparation and Planning: A pessoa que conduz a entrevista deve estudar o caso atempadamente e fazer um plano para a mesma por escrito, anotando factos relevantes sobre o caso e perguntas importantes a fazer. Não se deve formular hipóteses previamente de modo a manter a imparcialidade. Além disso, a entrevista deve ser realizada num espaço calmo, não ameaçador e livre de estímulos desnecessários que possam levar à distração.
Engage and explain: Para reduzir os níveis de ansiedade do entrevistado, o entrevistador deve construir rapport, que se trata do estabelecimento de uma relação harmoniosa, empática e de conexão com o outro. O investigador deve apresentar uma postura calma, explicando o processo à pessoa que será questionada ( por exemplo referindo que o entrevistador tirará notas). Adicionalmente, o detetive deve encorajar o entrevistado a relatar tudo aquilo que considerar importante.
Account: Ocorre o relato livre do suspeito acerca do acontecimento. O detetive coloca algumas questões com o intuito de ajudar a recuperação da memória dos acontecimentos de forma mais detalhada possível. As perguntas devem ser curtas e claras, podendo partir da informação dada pelo entrevistado para expandir sobre um determinado ponto.
Closure: Para evitar um fim abrupto da entrevista, o investigador faz um pequeno resumo dos principais tópicos que foram abordados, dando oportunidade ao entrevistado de fazer correções, esclarecer algum ponto mais controverso ou mesmo adicionar informação e fazer perguntas.
Evaluate: O entrevistador avalia a entrevista e compara o relato do entrevistado com a informação obtida através da investigação e decide que ação tomar.
Entrevista cognitiva
A entrevista cognitiva é uma técnica semelhante ao modelo PEACE, na medida em que o seu principal objetivo é obter informação e detalhes essenciais para a investigação.
De facto, esta técnica foi criada por Geiselman em 1985, sendo maioritariamente usada para entrevistar testemunhas de um crime. No entanto, também é utilizada para interrogar suspeitos.
Através desta técnica, os entrevistados são guiados pela sua memória do acontecimento, sendo encorajados a destacar diversos aspetos relevantes para a investigação. Deste modo, esta técnica baseia-se na memória e cognição do entrevistado e da dinâmica social e comunicação entre entrevistador e entrevistado.

De forma a plicar corretamente esta técnica, o detetive deve começar por analisar todos os factos da investigação de modo a entender quais os aspetos mais relevantes para a mesma. Depois, tal como no modelo PEACE, o entrevistador deve selecionar um local livre de distrações, que permita conduzir a entrevista de modo calmo e sem interrupções desnecessárias. Assim, no começo da entrevista, o detetive deve também construir rapport (mencionado acima) com o entrevistado, explicando o modo como o processo vai recorrer, quais os objetivos da entrevista e sublinhando que a recuperação de memórias com grande detalhe é algo difícil, pelo que é normal não se conseguir recordar de tudo. Neste sentido, deve tentar criar um ambiente de confiança, exibindo sinais de escuta ativa que demonstrem a sua atenção e interesse por tudo o que entrevistado relata.
Paralelamente ao decorrer da entrevista, o detetive deve exibir uma postura corporal relaxada e um tom de voz consistente e calmo, visto que, segundo o Princípio da Sincronia ( "Principle of Synchrony"), o entrevistador consegue influenciar o comportamento do entrevistado, visto que o mesmo terá tendência a espelhar o comportamento de quem conduz a entrevista.
Deste modo, o entrevistador deve sublinhar a importância de relatar todos os detalhes de que a pessoa se recorda, mesmo que lhe pareçam insignificantes. Para obter um relato o mais completo possível, o entrevistado deve falar bastante mais do que o entrevistador, numa proporção de cerca de 80%/20%, respetivamente.
Após receber estas indicações, o entrevistado (tanto sendo suspeito como não sendo) prossegue com as suas memórias do sucedido, reconstruindo mentalmente e verbalmente o contexto em que o crime aconteceu, destacando tanto os detalhes físicos (o ambiente em que ocorreu) e pessoais (sentimentos experienciados nesse momento). Enquanto, este relato acontece, o detetive deve tirar notas sobre a informação que lhe é fornecida, planeando a partir desta as perguntas que deverá colocar depois.

Em seguida, o entrevistador, de acordo com a informação que obteve anteriormente, seleciona os tópicos a abordar, colocando questões sobre esses mesmos aspetos, de forma mais específica. Deste modo, as perguntas que são colocadas devem ser de resposta aberta, que incluem verbos como "Dizer", "Explicar", "Demonstrar" e "Descrever", pois este tipo de perguntas permite obter informação mais detalhada. Já as questões de resposta fechada incluem palavras como "Quem", "Onde", "Quando", que geram respostas pouco detalhadas.
No entanto, perguntas de resposta aberta podem não ser suficientes para uma recuperação completa e aprofundada das memórias doa acontecimento, pelo que o entrevistador deve recorrer a algumas técnicas como as que se seguem:
Utilização de outros sentidos: Pede-se ao entrevistado que tente recorra a outros sentidos para além da visão para se recordar do crime
Utilização de desenhos e imagens (planta do edifício, por exemplo)
Reverse order recall: É pedido ao entrevistado que reconte o sucedido por uma ordem cronológica inversa
Mudança de perspectiva: Recordar o crime pela perspectiva de outra pessoa presente
Todas estas técnicas contribuem para a recordação de detalhes adicionais que podem ser importantes para a investigação. Contudo, também permitem ao detetive verificar se o relato que é feito se mantém coerente ao longo da entrevista. De facto, se um suspeito estiver a mentir sobre a sua inocência, o relato de uma mentira detalhada pode levar a erro, visto que, quanto mais detalhes existirem, mais difícil é recordá-los a todos de modo coerente e consistente, o que permite ao detetive averiguar que partes da história são reais e quais são falsos, ou simplesmente alterados. Assim, o detetive consegue contestar o relato, recorrendo depois a perguntas de resposta fechada.
Para fechar a entrevista, o entrevistador deve fazer um resumo de tudo o que foi abordado, dando oportunidade ao entrevistado de fazer alguma alteração, ou adicionar informação e até mesmo colocar alguma questão que tenha. Após a entrevista, deve ocorrer uma avaliação dos dados obtidos e do desempenho do entrevistado e do entrevistador.
Concluindo, todas estas técnicas são utilizadas na atualidade, tendo umas mais vantagens do que as outras. Na verdade, todas elas contribuíram de uma forma ou de outra para a melhoria do processo de interrogatório, no entanto ainda há bastantes aspetos a melhorar.
Esperemos que tenham gostado desta viagem, caros passageiros.
A vossa agência de viagens preferida,
MindJet.
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